A Arte e a Disciplina da Estratégia
"Pois a estratégia desprovida de rigor econômico reduz-se a mero discurso, e a matemática isolada da visão de negócios é apenas desperdício."
A palavra estratégia talvez seja o termo mais utilizado e simultaneamente o menos compreendido no vocabulário corporativo contemporâneo, pois é frequentemente confundida com ambição, otimismo ou simples listas de tarefas de longo prazo. No entanto, a verdadeira estratégia não reside naquilo que a empresa deseja ser em um futuro idealizado, mas sim na coragem de definir o que ela não será no presente. Peter Drucker, o pai da administração moderna, já nos alertava em suas obras seminais que a eficiência é fazer as coisas da maneira certa enquanto a estratégia trata da eficácia, ou seja, de escolher as coisas certas a serem feitas. Essa distinção é crucial porque um plano visualmente atraente ou um mapa de iniciativas multicolorido não constituem uma estratégia real se não houver coerência inegociável entre o desejo de crescimento, a capacidade de execução e a sustentabilidade econômica.
Nesse contexto, Michael Porter, professor da Harvard Business School e autoridade máxima em competitividade, refinou nosso entendimento ao postular que a essência da estratégia reside nos trade-offs, ou seja, na renúncia deliberada de certos caminhos para proteger a singularidade de outros. Roger Martin e A.G. Lafley, em sua colaboração no livro Playing to Win, provocaram líderes globais com a máxima de que decidir é fundamentalmente um ato de exclusão, pois tentar atender a todos os mercados ou perseguir todas as oportunidades resulta inevitavelmente na mediocridade operacional e na destruição de valor.
Em última análise, a estratégia deve ser encarada como o ato mais sofisticado de alocação de recursos escassos, visto que toda organização opera sob limitações finitas de tempo, talento, tecnologia e capital. A verdadeira questão estratégica não é apenas onde queremos chegar, mas onde devemos alocar nosso capital para gerar o maior retorno possível sobre o investimento, ajustado ao risco que estamos dispostos a correr. Essa perspectiva financeira altera a visão sobre o negócio ao revelar que empresas que tentam crescer em todas as direções perdem o foco assim como aquelas que inovam sem sustentação financeira fragilizam sua perenidade.
O erro mais grave e comum nas organizações é a separação entre o pensamento estratégico e a realidade financeira, pois narrativas inspiradoras sobre o futuro raramente vêm acompanhadas dos cálculos que garantem sua viabilidade, dando origem a riscos silenciosos. Projetos que consomem fluxo de caixa livre sem gerar retorno destroem a liquidez necessária para a operação, assim como investimentos cujo Retorno sobre o Capital Investido (ROIC) é inferior ao Custo Médio Ponderado de Capital (WACC) destroem riqueza técnica e economicamente a cada dia de operação. A maturidade estratégica só é alcançada quando a liderança entende que a estratégia precisa ser financeiramente viável, e a maturidade financeira ocorre quando a área de Finanças compreende e viabiliza as ambições estratégicas dentro de uma estrutura de capital saudável.
O Papel da Governança
É aqui que a Governança Corporativa assume um papel mandatório e estruturante. Conforme preconiza o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) em seu Código das Melhores Práticas, a governança não é um mero conjunto de regras burocráticas, mas sim o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas. O conselho de administração atua como o guardião desse sistema, sendo responsável por garantir que as escolhas estratégicas não visem apenas o lucro imediato, mas a criação de valor sustentável de longo prazo, ponderando os impactos econômicos, sociais e ambientais. Uma estratégia robusta precisa ser validada por uma governança que assegure o alinhamento entre os interesses dos sócios, a capacidade executiva da diretoria e as demandas das demais partes interessadas, prevenindo que a ambição desmedida comprometa a longevidade da organização.
Para conectar a visão estratégica à execução disciplinada, ferramentas clássicas como o Balanced Scorecard (BSC) de Kaplan e Norton são fundamentais ao ensinar que a perspectiva financeira é o resultado final de uma cadeia causal que começa com o aprendizado e crescimento das pessoas. No entanto, para a realidade ágil de hoje, o BSC deve ser complementado pela dinâmica dos OKRs (Objectives and Key Results) e KPIs (Key Performance Indicators). Enquanto os KPIs funcionam como o painel de controle que indica a velocidade e o nível de combustível da operação, os OKRs atuam como o GPS que define a direção e os marcos de curto prazo necessários para que a estratégia de longo prazo se concretize.
A metodologia OGSM (Objectives, Goals, Strategies, Measures) também traz simplicidade e foco ao eliminar ambiguidades entre o que é intenção e o que é meta, permitindo verificar rapidamente se a ambição de crescimento está alinhada à capacidade do capital de giro. É nesse ponto que o CFO atua como o arquiteto que conecta a estratégia à realidade econômica, garantindo que a disciplina proteja o capital e reduza o desperdício.
A execução da estratégia deve ser vista como uma cascata que flui do propósito e ambição para as direções estratégicas e se desdobra em iniciativas e orçamentos até chegar ao valor. Portanto, o teste máximo de qualquer estratégia é a sua capacidade de criar valor econômico real, aumentando o ROIC e o fluxo de caixa livre enquanto garante a coerência operacional e a sustentabilidade da estrutura de capital. Estratégia é o planejamento do trajeto, governança é a disciplina para segui-lo com integridade e transparência, finanças é o teste de viabilidade e execução é a prova de eficácia. A questão final que toda liderança deve responder é se a estratégia escolhida cabe no orçamento, respeita o apetite a risco definido pela governança e se adequa à estrutura de capital, pois estratégia não é apenas ter um plano, é ter um caminho viável, disciplinado e financeiramente sustentável para o futuro.